PEDIDO DE AÇÃO CAUTELAR
Cuida-se de ação cautelar, com pedido de liminar (fls. 2-29), ajuizada por Aarão de Moura Brito Neto e Marcelo Tenório da Cruz, prefeito e vice-prefeito, respectivamente, do Município de Mangaratiba/RJ, visando à concessão de efeito suspensivo a recurso especial a ser interposto de acórdãos do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE/RJ) que, mantendo parcialmente sentença proferida em sede de ação de impugnação de mandato eletivo (AIME), cassou os mandatos dos ora requerentes, em razão da prática de abuso do poder econômico (fls. 217-261).
PARECER DO TSE
I - ABUSO DE PODER ECONÔMICO PELO USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL (ART. 22, DA LEI COMPLEMENTAR 64/90).
A primeira causa de pedir radica na utilização indevida dos meios de comunicação social e abuso de poder econômico pelos impugnados, mediante a publicação de matérias amplamente favoráveis ao então Prefeito Aarão de Moura Brito, nos jornais O Foco, Atual e O Correio, três periódicos com significativa circulação na localidade, que estariam inteiramente comprometidos com o esforço de campanha do postulante à reeleição.
A judiciosa análise empreendida pela Procuradoria Regional Eleitoral nos autos permite entrever a nítida utilização dos indigitados veículos de imprensa como instrumento de propaganda dos réus, sendo certo que as matérias favoráveis não ficaram adstritas ao ano de 2007, como quer fazer crer a laboriosa defesa de Aarão de Moura Brito e Marcelo Tenório, conforme bem ilustram as fotocópias de fls. 432 e 433, pertinentes a dois dos periódicos mencionados - O Foco e Jornal Atual. O primeiro jornal, em matéria publicada, aos 13 de junho de 2008, fazia grande alarde sobre a tramitação de projeto de reestruturação de cargos na Casa Legislativa local, com destaque para o implemento de um substancial reajuste para o funcionalismo de Mangaratiba, a viger a partir de janeiro de 2009, segundo proposta encaminhado pelo "Poder Executivo de Mangaratiba', sendo evidente o deliberado intento de obter o apoio dos servidores municipais, à vista do projeto que lhes beneficiava, às vésperas do pleito.
Releva observar que o passionalismo dos periódicos e o seu comprometimento com a administração do atual Prefeito foi excepcionalmente contemplada pelo decisum impugnado, ao constatar que de fevereiro de 2008, até outubro daquele mesmo ano, mês das eleições municipais, as empresas T. M. Comunicações Ltda. (jornal "O FOCO") e Costa Verde Comunicações Ltda. (jornal "ATUAL"), receberam da Prefeitura de Mangaratiba as quantias totais de R$ 24.000,00 (vinte e quatro mil reais) e de R$ 30.943,00 (trinta mil, novecentos e quarenta e três reais), respectivamente.
Uma breve digressão sobre o conteúdo das publicações bem revela o seu caráter evidentemente panfletário, a expressar verdadeira apologia do Chefe do Executivo.
Raciocínio símile inspira a situação em exame, em que a propaganda política do governante municipal, Aarão de Moura Brito, travestida de jornalismo, visava criar uma imagem de estadista que inegavelmente o habilitaria a um segundo mandato, reduzindo consideravelmente as possibilidades de qualquer candidatura de oposição que se aventurasse a defrontá-lo no pleito subsequente. Sob tal perspectiva, afigura-se evidenciada a potencialidade dessa estratégia publicitária ilícita, se considerado que o político agraciado com as reiteradas "matérias jornalísticas" já ocupava a Chefia do Executivo em Mangaratiba - estando, portanto, em natural evidência -, sendo certo que os incontáveis predicados que lhe foram atribuídos pelos três periódicos mencionados, durante todo o último ano de mandato, forçosamente ostentavam aptidão para criar junto aos eleitores uma imagem imaculada de que se estaria diante do mais proficiente administrador.
II - DOS ABUSOS DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO
Cabe-nos aqui um pequeno, porém indispensável, parêntese. Não se está a questionar se o candidato deve ou não observar suas promessas de campanha, e tampouco nos cumpre apurar a eventual responsabilidade (ou a irresponsabilidade) de um Chefe do Poder Executivo que se abstém de exercer seu poder-dever de fiscalizar a observância da Constituição da República, por se dispor a sancionar um projeto de lei complementar que reputava viciado, a ponto de negar-lhe aplicabilidade posteriormente. Se por um lado a reprovação de tais comportamentos de fato transcendem a esfera de competência desta especializada - jungidos que estão aos comandos proibitivos do art. 11, da Lei n. 8.429/92 -, de outro não se discute que essas condutas repercutem diretamente na legitimidade do processo eleitoral realizado, por traduzirem um clássico exemplo de abuso de poder político - caracterizado pela exploração eleitoral de uma melhora financeira para o funcionalismo -, que seria perpetrado com recursos do erário, a evidenciar o abuso econômico.
Deveras, o que aqui se discute é a conduta de um candidato-prefeito que, no exercício de suas funções, se vale dos poderes dos quais se encontra investido (dentre eles o de gerir os recursos financeiros da municipalidade), para chancelar um controverso aumento para o funcionalismo local - considerando-se a época em que realizado e, principalmente, o alegado vício formal que o maculava -, exclusivamente para auferir vantagem eleitoral no pleito que se avizinhava. Trata-se de comportamento inaceitável, porquanto visceralmente infenso a todos os princípios que devem reger a Administração Pública (art. 37, caput, da CRFB), sem prejuízo de malferir o processo eleitoral, com a espúria utilização da máquina pública em benefício de sua própria candidatura.
Por derradeiro, não se pode descurar a potencialidade lesiva que tais práticas encarnam, mormente se considerada a desigualdade implícita na possibilidade de reeleição sem desincompatibilização do cargo. Foi exatamente em atenção a esta desequiparação natural entre aqueles que, ocupando um posto político, buscam nele permanecer, renovando seu mandato, e os seus adversários, que o legislador criou uma série de restrições tendentes a impedir o ilícito emprego da máquina pública em benefício de uma candidatura.
A direta repercussão do comportamento do Prefeito nas opções políticas de pelo menos 1450 servidores municipais - sem cogitar de seus familiares e amigos - denota sua abstrata aptidão para interferir no processo eleitoral, inquinando-o. Com já tive a oportunidade de ressaltar em passagem anterior deste voto, os números finais do certame não podem servir de parâmetro para aferição da potencialidade, mesmo porque a manifestação da maioria é insuficiente para fazer desvanecer as iliceidades perpetradas durante o processo eleitoral.
Essas as razões pelas quais a potencialidade exigida para caracterização do abuso de poder não está afeta ao resultado final do certame, bastando que, como no caso dos autos, reste demonstrado que o Prefeito-candidato fez indevido emprego dos poderes de seu cargo para fomentar sua campanha, desigualando o processo eleitoral em Mangaratiba. Assim, afiguram-se desnecessárias maiores digressões em relação à potencialidade demonstrada pelo comportamento dos recorridos ao interferir no processo eleitoral, amoldando-se ao conceito das condutas que o legislador tomou por defesas no art. 22, da Lei Complementar 64/90 e que desafiam a incidência do preceito constitucional moralizador radicado no art. 14, §10, da Carta Política.
DECISÃO
Diante desse contexto, considerando as premissas fáticas descritas no acórdão regional, a reforma do julgado implicaria, ao menos ao que se depreende em exame prefacial, a incursão indevida no conjunto probatório dos autos, providência incabível em sede de recurso especial.
Por essas razões, entendo, neste juízo de cognição sumária, que não foi demonstrada a plausibilidade do direito a ensejar o deferimento do pedido formulado.
Do exposto, nego seguimento à ação cautelar, com base no art. 36, § 6º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral.
Publique-se.
Brasília-DF, 9 de outubro de 2010.
Ministro Marcelo Ribeiro, relator
LULA LIVRE!
Há 5 anos
Nenhum comentário:
Postar um comentário